segunda-feira, 24 de junho de 2013

[ n. do tr.: Roma e Índia : a unidade das tradições (2) ]

       
      [ n. do tr. : Roma e Índia : unidade das tradições (2)  in
                                           Plutarco Védico isbn 978-85-906438-0-7

      A mãe de Rômulo e Remo, Ilia, uma vestal, teria concebido os dois irmãos a partir do semen do fogo sacrifical que enquanto deus teria se encarnado para isto e como já dissemos Ilia é o mesmo nome da filha de Prajapati que teria nascido de Agni, este mesmo fogo no primeiro sacrifício segundo o Satapatha Brahmana . Os irmãos colocados numa cesta, berço, baú, foram largados para morrer no rio Tibre na primeira metade do séc. VIII a. C. Mas as águas os deixaram ao pé de uma figueira onde uma Loba, deles se afeiçoou e deu-lhes de beber leite de suas tetas e onde também um Abutre trouxe alimento. O tio deles, Amúlio, queria o trono para si e daí a vontade de matá-los. Eles contudo crescem exilados e desconhecidos, unificam o povo mas com discórdia quanto a quem estabeleceria, construiria, a nova cidade, colônia : os de Alba não os queriam. Em determinado dia estão distraídos cada um com seu povo ( Quintílios e Fábios ) e têm o gado furtado : saem correndo pelados mesmo sem tempo de se vestir e conseguem salvar o que é seu. Mas a correria continua ( ela tornou-se um ritual depois, as Lupercais, em que se corre com faixas de couro de cabra nas mãos a bater em quem está no caminho, purificando e abençoando as mulheres para que engravidem ) de modo que chegam a casa de Amúlio ( Remo dentro e Rômulo por fora ), são identificados e sem resistência deste último entregam a cidade ao pai da mãe, Numitor, e continuam a correria, junto com seus exércitos de excluídos, até o lugar onde foram expostos debaixo da figueira e lá combinam de no dia seguinte consultarem os auspícios para saber quem lideraria a nova cidade ( Roma ; é uma semana e tanto ). A disputa e correria acaba com a morte de Remo, Fáustulo e outros que se opõem a Rômulo, o que antecede a construção mesma do altar védico como vimos. Mas a decisão acontece no campo dos auspícios, ave-spicere, espreitar pássaros, quem vê mais aves : Remo vê seis abutres e Rômulo doze. O quê significa isto ? Que pássaros são estes ?

               A resposta está no Mahabharata, Vana parva, seção CCXXII e seguintes onde se disserta sobre o nascimento justamente do fogo garhapatya, fogo sacrifical que Rômulo constrói em seguida. Na seção em questão Indra se dirige para onde está os grandes Brahmanas, os poderosos Rishis celestiais, homens comuns, Vasishtha e outros :
           
            “E com Indra na frente deles, os outros deuses também desejosos de beber Soma, foram para os sacrifícios daqueles Rishis para receber suas respectivas partes das ofertas. Tendo devidamente realizado as cerimônias com o brilhante fogo em chamas, aquelas pessoas de grande mente oferecem oblações aos deuses celestiais. E o fogo Adbhuta ( garhapatya ) o transportador das oblações, foi convidado com mantras. E saindo do disco solar, aquele senhor fogo apareceu lá, contendo a fala. E, Ó chefe da raça dos Bharatas [ n. do tr.: Markandeya conta a história a Yudhisthira, diga-se de passagem o Mahabharata é relatado e escrito em Takkasilla, Taxila ] , aquele fogo entrando no fogo sacrifical que foi ligado e dentro do qual várias ofertas foram feitas pelos Rishis com récitas de hinos, tomou-as para ele e as transmitiu para os habitantes do céu. E enquanto retornava daquele lugar, ele observou as esposas daqueles Rishis de alma elevada dormindo soltas em suas camas. E aquelas senhoras tinham uma aparência muito linda como a de um altar de ouro, sem manchas, qual raios da Lua, parecendo chamas ardentes e semelhantes a estrelas brilhantes. E vendo estas esposas dos ilustres Brahmanas com cobiça nos olhos, sua mente ficou agitada e ele foi atingido pelo charme delas. Restringindo seu coração ele considerou impróprio para si ficar assim agitado. E disse a si mesmo, “As esposas destes grandes Brahmanas são castas e fiéis e além do alcance dos desejos de outras pessoas. Estou cheio de desejo de possuí-las. Não posso com justiça colocar meus olhos nelas, nem nunca tocá-las quando elas não estão cheias de desejos. Devo portanto gratificar-me diariamente apenas olhando para elas tornando-me seu fogo garhapatya ( doméstico ).
           Markandeya continuou, “ O fogo Adbhuta, assim transformando a si mesmo em fogo doméstico, ficou altamente gratificado vendo aquelas senhoras de aparência dourada e tocando nelas com suas chamas. E influenciado por seus encantos ele habitou lá por um longo tempo, dando a elas seu coração e cheio de um intenso amor por elas. E frustado em todos seus esforços para ganhar os corações daquelas senhoras Brahmanas e seu próprio coração torturado de amor, ele foi para a floresta como objetivo certo de destruir a si mesmo. Bem pouco tempo antes, Swaha, a filha de Daksha, dedicou seu amor a ele. A excelente senhora empenhava-se por um longo tempo em detectar os momentos de fraqueza dele ; mas aquela senhora sem culpa não teve sucesso em descobrir qualquer fraqueza no calmo e recolhido deus-fogo. Mas agora que o deus dirige-se para uma floresta, realmente torturado pelas dores do amor, ela pensou, “Como estou também aflita de amor, assumirei a aparência das esposas dos sete Rishis e neste disfarce, procurarei o deus-fogo tão abatido com os encantos delas. Isto feito, ele ficará agradecido e meu desejo também satisfeito.”
            Markandeya continuou,”Ó senhor dos homens, a bela Siva dotada de grandes virtudes e caráter imaculado era a esposa de Angiras ( um dos sete Rishis ). aquela excelente senhora ( Swaha ) no princípio assumindo o disfarce de Siva, buscou a presença de Agni para quem disse, “Ó Agni, estou torturada de amor por ti. Pense que é adequado mecortejar. E se você não atender meupedido, saiba que cometerei auto destruição. Sou Siva esposa de Angiras. Vim aqui de acordo com o conselho das esposas dos outros Rishis, que me enviaram aqui após a deliberação devida.”
            Agni respondeu, “Como você sabia qu'eu estava torturado de amor e como pode as outras, as amáveis esposas dos sete Rishis, com as quais falastes, saber disto ?”
Swaha respondeu, “Tu és sempre um favorito entre nós mas tememos você. Agora tendo lido tua mente com sinais bem conhecidos, elas me enviaram à tua presença. Venho aqui para gratificar meu desejo. Seja rápido, Ó Agni, em cingir o objeto de teu desejo, minhas cunhadas estão me esperando. Devo retornar logo.”
           Markandeya continuou, “Então Agni, cheio de grande alegria e deliciado, casou com Swaha disfarçada de Siva e aquela senhora alegremente coabitando com ele, segurou o semen virile em suas mãos. E então ela pensou consigo mesma que aqueles que a vissem naquele disfarce na floresta, lançariam mácula não merecida na conduta daquelas senhoras Brahmanas em relação com Agni. Portanto para prevenir isto ela devia assumir o disfarce de um pássaro e naquele estado sairia mais facilmente da floresta.
          Markandeya continuou, “Então assumindo o disfarce de uma criatura com asas, ela saiu da floresta e alcançou a Montanha Branca cercada com moitas de arbustos e outras plantas e árvores, guardada por estranhas serpentes de sete cabeças com veneno nos próprios olhares, abundante de Rakshasas, Pisachas machos e fêmeas, espíritos terríveis e vários tipos de pássaros e animais. Aquela excelente senhora rapidamente alcançando um pico daquelas montanhas, jogou aquele semen em um lago dourado. E assumindo sucessivamente as formas das esposas dos Rishis de alma elevada, ela continuou a divertir-se com Agni. Mas devido ao grande mérito ascético de Arundhati e sua devoção ao marido ( Vasishtha ), ela foi incapaz de assumir sua forma. E, Ó chefe da raça kuru, a senhora Swaha no primeiro dia lunar jogou seis vezes naquele lago o semen de Agni. E atirados lá, eles produziram uma criança macho dotada de grande poder.”
            
                   Que como Rômulo e Remo são filhos do fogo com mulheres santas. O ser nascido do fogo tem seis faces sendo a do meio de cabra e ao ser questionado em sua existência por Indra é atingido por um raio do deus, que o atravessa pelo lado dando origem a um novo ser, que sai de dentro do filho do fogo, também com cara de cabra e que abençoa a mulheres para que engravidem. A disputa com Indra na semana mesma de nascimento deste ser-fogo causa uma guerra com mortes, o quê seria equivalente a disputa de Remo com Rômulo com a morte de irmãos e amigos : o acontecimento de todos os fatos em uma semana também aproxima as histórias. Remo ao ver seis pássaros divide a unidade dos casais Brahmanes o quê Plutarco ilustra dizendo que os abutres não são aves de rapina mas comem apenas restos de carcaças sem matar outros pássaros. Em Satapatha Brahmana IX,4 e VI,1 confirma-se a imagem com a representação do altar védico como a reunião dos sete Rishis, sete sopros, assumindo também a forma de um pássaro, quatro no meio, dois nas asas e um nos pés. A união dos sete formaria o corpo único de Prajapati. A festa das Lupercais portanto teria também sua origem védica. ] 




quarta-feira, 5 de junho de 2013

[ n. do tr.: Roma e Índia ]


[ Nota do tradutor : Roma e Índia : a unidade das tradições  in 
          Plutarco Védico isbn 978-85-906438-0-7 ] 

Plutarco, Vida de Rômulo, paragr. XI
Deu Rômulo sepultura no sítio chamado Remuria [ depois Lemuria onde se lamentavam, penitenciavam ] a Remo e aos que lhe haviam criado [ Fáustulo e outros que também morreram na dissensão ] e seguiu com a fundação da cidade, fazendo vir da Etruria ou Tirrenia certos varões que com ritos e cerimônias distintos, faziam e ensinavam a fazer cada coisa a maneira de uma iniciação. Porque no que agora chamam Comicio se abriu uma cova circular e nela se jogaram primícias de todas as coisa que pela lei nos servem de proveito ou que por natureza usamos e necessitamos ; e da terra de onde veio, cada um colheu e trouxe um punhado e a jogou também ali, como para mesclá-las. Dão a esta cova o mesmo nome que ao céu, chamando-a 'mundo'.
Depois ( o quê são os outros ritos ) com um círculo descrevem desde seu centro a cidade e o fundador colocando no arado uma relha de bronze e unindo duas reses de boi, macho e fêmea, por si mesmo as leva e abre pelas linhas descritas um sulco profundo, ficando ao cuidado dos que o acompanham ir recolhendo para dentro os torrões que se levantam, sem deixar que nenhum salte para fora. Para a parte de fora desta linha fabricam um muro, devido ao qual por síncope, chamam pomerio, como promerio ou antes do muro. Onde querem que se faça uma porta, tiram a relha e levantando o arado, fazem uma pausa ; assim os romanos têm por sagrado todo o muro a exceção das portas porque se estas se reputassem sagradas, seria sacrilégio introduzir e tirar por elas muitas coisas sejam necessárias ou sujas.”

Os ritos e cerimônias distintos que os varões da Etruria / Tirrenia trouxeram” são os ritos védicos de fundação dos altares de fogo Garhapatya e Ahavaniya ; segue a descrição de suas construções em Satapatha Brahmana VII,1,1,8s e VII,2,2,9s respectivamente, como no texto de Plutarco acima :

Ele cobre todo o Garhapatya circular com terra, solo salgado, areia, pois o altar Garhapatya é o útero e o solo salino o âmnio ( membrana do útero ); cobre portanto todo o útero com âmnio. Joga-se assim terra para impedí-lo de estragar ... E novamente joga-se areia – areia não é outra coisa que semente de Agni que está sendo construído ... pois o altar Garhapatya é o útero e a terra semente : e se preenche todo o útero com semente ... é circular pois o útero é circular e além do mais o Garhapatya é este mundo terrestre e este mundo sem dúvida é circular.

Arou-se então – arar significando comida ... na direita ( sul ) do altar de fogo, arou-se um sulco para leste ... corretamente possa com sorte a relha do arado levantar o chão, com sorte os lavradores aplicam-se com seus bois ! ... 10 Então na parte de trás ( arou-se um sulco ) para o norte, “Com doce ghee o sulco seja saturado ... aprovado por Todos os deuses e os Maruts que têm poder sobre a chuva ; 'cheio de seiva e abundante leite', - leite significa seiva : assim 'abundante com seiva e comida' – 'com leite, ó sulco, volte tu em nossa direção !” ... 11 Então na esquerda( norte) ( arou-se um sulco ) para leste, “ A relha divisora do arado – isto é, o arado abundante em riqueza” - propício, oferecendo amostra para o copo de Soma – pois Soma é comida - “jogou para cima vaca, ovelha, a esposa gostosa, o vagão com rápidas rodas” , pois tudo isto o sulco produz, joga para cima. 12 Então na parte da frente ( arou um sulco ) sul ... “Ordenhe Ó vaca da abundância, os desejos de Mitra e Varuna, de Indra, dos Asvins, de Pushan, das criaturas e plantas ! Lavoura é ( benéfico ) para todas as deidades : portanto, “Ordenhe para todas estas deidades seus desejos !”

Georges Dumèzil assinalou esta identidade cultural oriente ocidente em 'Aedes rotunda vestae' in Rituels Indo-Européens à Rome, Paris, Klincksieck, 1954 na página 33 :

Aqui e lá, o fogo perpetual, o “fogo reservatório” destinado não a receber ofertas mas a materializar -se por uma lareira ( vestíbulo, é do fogo de Vesta que se fala, foyer ) a morada legítima de uma pessoa ou de um grupo de pessoas sobre um ponto de terra, requer um contorno redondo ; ao contrário o fogo sacrifical e em Roma o santuário onde o fogo era o móvel essencial, como nos 'templa' político-religiosos, quer dizer os lugares onde um comércio ativo e preciso deve se estabelecer entre os homens e os deuses, requer um contorno quadrangular,orientado leste oeste ; além do que no caso arcaico da urbs quadrata, este quadrado é traçado – fulcros, sulcos, abertos por um arado e uma trelagem – da mesma maneira que os da ahavaniya e com eles, em seu centro comporta uma embocadura mística colocando o visível em comunicação como o invisível.
Não creio que os etnógrafos tenham em algum lugar assinalado uma articulação análoga de estruturas antitéticas.”

Estas “estruturas antitéticas” seria a quadratura do círculo propriamente dita. O fogo do ritual saía do templo redondo de Vesta e dirigia-se aos outros templos para o ritual de cada um, dos diversos deuses. A cidade tem um centro e quatro cantos, quatro portas, distintas nos nomes dos deuses e que sim distinguem-se já pelas castas, ordens, classes, estados, tradicionais. O conjunto todo tem vida, respira, sendo os templos quadrados, olhos, ouvidos, cabeça e o redondo no centro útero com as sementes de todos da cidade templo unidos em Com- ( seja com-ício, con-sílio ou con-junto ). Em Satapatha Brahmana II, 2,18 é dito “Os fogos sacrificais certamente são estes sopros o ahavaniya e o garhapatya são o ex-pirar e o ins-pirar e o anvaharya pakana é o trans-pirar” ( este último é o transporte do centro ao templo ).

Os gestos com as mãos nas duas construções, na primeira atirando, jogando, sementes e terra e na segunda retirando, tirando, os torrões que saem para cima, a riqueza mesma, aproximam as duas culturas, romana e indiana com uma origem indoeuropeia comum. A transmissão da Tradição através de imagens parece existir desde sempre uma vez que se repete em Plutarco. Obviamente estes fogos são estabelecidos espiritualmente dentro do mais íntimo d'alma. ]